Há uma série de questões que assombram nossos pensamentos ao nos aventurar pelo mundo das ideias que almejam explicar o mundo. Algumas delas são as seguintes: Como podemos ter certeza sobre a existência do átomo? Como saber a respeito do formato real do nosso planeta? Como verificar a existência de buracos negros que supostamente vagam pela vastidão do universo? Ou seja, como a ciência lida com suas hipóteses para validar ou refutar a existência de fenômenos ou entidades que estão além das nossas percepções. Nos próximos parágrafos vou tentar deixar claro que a metodologia científica é uma excelente ferramenta de análise para a compreensão do mundo, principalmente para que possamos “ver”, não com os olhos, mas com as luzes da ciência, maravilhas que estão bem além dos nossos sentidos. Inicialmente gostaria de convidá-los ao ceticismo. Praticar o ceticismo significa não possuir uma “certeza final" a respeito do que foi classificado como verdade. É também nunca deixar de questionar todas as bases que o levaram a classificar uma afirmação como verdadeira ou falsa. Essa é uma postura intelectual que nos permite estar sempre abertos a reciclar nossa visão do mundo, é a busca pela verdade. O ceticismo é importante para a ciência pois ele fundamenta o que chamamos de método científico. É a metodologia científica que determina como devemos usar a ciência para a obtenção de conhecimento. ![]() A natureza é esse palco misterioso a sua volta que todos nós estamos inserido e a ciência é uma ferramenta que nos permite compreendê-la com parcimônia. O que é então a metodologia científica ? O método científico é guiado pelos seguintes passos: I - Observar: Observar um fenômeno da natureza. II - Hipotetizar: Formular uma hipótese que explique a ocorrência do fenômeno observado. III - Experimentar: Realizar um ensaio/experimento que permita a validação ou refutação da hipótese. IV - Decidir: Refutar ou dar credibilidade à hipótese O passo mais importante, e que portanto deve ser elaborado com maior cautela é o terceiro passo. É devido ao resultado desse passo que vamos poder refutar ou dar mais credibilidade a hipótese que foi formulada. Esse passo é também conhecido como experimentação. Fazer uma experiência científica, na maior parte das vezes, consiste em fazer previsões. Se a nossa hipótese permitir fazer previsões a respeito da realidade, ótimo, pois com uma previsão correta do comportamento da natureza podemos dar mais credibilidade a nossa hipótese e começar a chamá-la de teoria científica. Mas basta uma única previsão errada para refutar a hipótese e reciclar nossas idéias para elaboração de uma hipótese mais consistente. Aqui, há um detalhe bastante sútil e de extrema importância para que a sequência desses passos seja considerada científica: A hipótese, ou teoria, precisa ser sempre falseável (escreva isso bem grande em seu ambiente de trabalho caso seu trabalho seja de caráter científico) O que eu quero dizer com isso é que, se não há nenhum resultado experimental que possa refutar o que é afirmado na hipótese ou na teoria, então essa hipótese ou teoria não é científica. Pois nesse caso, não poderíamos formular nenhum experimento justo para o passo III. Beleza, vamos aos exemplos para clarear o que foi dito acima sobre metodologia científica: Imagine um papai de primeira viagem lidando com as necessidades de seu filho, ainda bebê. O papai aprende que o choro do bebê sinaliza algo, pois toda vez que o bebê chora, ao dar-lhe uma bela mamadeira carregada de leite materno, o bebê se tranquiliza (Passo I: Papai observou o comportamento do bebê). Então o papai criou a hipótese de que o choro do bebê significa que ele está com fome (Passo II: Hipotetizar) Certo dia, não muito tempo depois do papai criar sua hipótese que explicava o choro do bebê, o papai observa que seu bebê estava chorando pouco tempo depois após mamar o leite. Logo, sua hipótese não servia mais para explicar o que estava sendo observado, pois desta vez o bebê não estava com fome e mesmo assim chorava (Passo III: Experimentação). Desta maneira, o papai teve que abandonar sua hipótese (Passo IV: Decidir: hipótese refutada). Ao dar alguns tapinhas nas costas do bebê e notar que após um arroto o bebê se acalmou novamente, o papai amplia sua hipótese para abarcar a nova observação. A sua nova hipótese diz que além da fome, o choro do bebê era sinal de outras necessidades, como aliviar o desconforto estomacal, arrotando (Repetição do passo I e II). É claro que sabemos que o choro de um bebê possui diversos motivos, mas vejam como a linha de raciocínio do pai foi conduzindo sua compreensão para algo cada vez mais próximo da verdade por trás do que estava sendo observado. É assim que a ciência funciona, refutando hipóteses antigas, que não explicam as novas observações, e substituindo por outras mais elaboradas que explicam. Vejam que em nenhum momento houve apego, ou uma defesa cega as velhas hipóteses. A experimentação foi o grande “juiz" da verdade. A natureza é o que é, nossas hipóteses podem estar erradas, mas o que foi observado é como a natureza se comporta. É por isso que a experimentação precisa ser feita com grande cautela, para que, inclusive, não haja erros de interpretação ou resultados ambíguos na observação. Não é a toa que os maiores laboratórios científicos, que buscam compreender do que o mundo é feito, são equipados com inúmeros sensores, cujo experimento é realizado milhares e milhares de vezes e com equipes gigantescas para analisar os resultados e discutirem se refutam ou dão credibilidade a teoria em questão. Vamos ver exemplos de afirmações não falseáveis, ou seja, que não podem ser estudadas pela ciência. Exemplo 1: "Esmeraldas são verdes ou não são verdes." Essa afirmação é claramente não falseável pois não importa qual seja o experimento, a afirmação será sempre verdadeira, mas basta uma pequena alteração na afirmação para que a mesma possa ser submetida ao rigoroso método científico. "Esmeraldas são verdes" é falseável pois basta uma esmeralda não verde para refutar a afirmação ou "Esmeraldas não são verdes" também é falseável, pois bastaria uma esmeralda verde para falsear a afirmação. A falseabilidade é um conceito importantíssimo pois ela delimita o que podemos chamar de ciência, a ciência genuína, e a pseudo - ciência, ou seja, aquilo que parece ciência mas no fundo não é. Exemplo 2: " Existe um ser, onipresente e onisciente tal qual não pode ser visto, pois não possui forma, não pode ser mensurável por qualquer instrumento, pois não possui delimitações físicas, e não pode ser compreendido em sua total natureza, pois é incognoscível." Pois bem, novamente vemos algo que não pode ser estudado pelo método científico. Com esse exemplo podemos encerrar as discussões entre ciência e religião. ![]() Podemos agora voltar a uma das perguntas iniciais esse texto. Como "ver" o átomo ? O mundo das partículas subatômicas é invisível aos nossos olhos. Aliás, muita coisa na ciência não pode ser constatada visualmente tal como a existência de campos elétricos e magnéticos ou a existência de microorganismos como os vírus que ameaçam o nosso sistema imunológico. Porém, todas essas coisas causam outras coisas que podem então ser observadas. A gravidade que não pode ser vista faz as coisas caírem, campos elétricos e magnéticos que não podem ser vistos são usados para transmitir sinais, sinais de rádio, sinal de internet, iluminar nossas casas e etc. Vírus são invisíveis ao nossos olhos, mas causam doença e até matam pessoas. Todas essas coisas invisíveis podem ser detectadas indiretamente pelo que elas causam ou como elas reagem sob certas condições. Com o átomo é a mesma coisa, não podemos observá-lo diretamente mas podemos realizar experiências que permitem constatar sua existência e teorizar sob seu formato. Experimentos como o famoso experimento de Rutherford realizado em 1911, que consistiu em bombardear átomos de ouro com partículas subatômicas (partículas alfa), permitiu construir modelos para descrever a geometria do núcleo atômico baseando-se nos desvios dos feixes das partículas incidentes. Além das medições indiretas, o domínio de certas áreas da ciência possibilita a construção de equipamentos tal como os microscópios ou telescópios que ampliam nossos sentidos, possibilitando ver o que a olho nu não somos capazes. Viva a tecnologia. Mesmo com a clareza do método científico muitas vezes podemos cometer grandes erros de condução na ciência, guiado pelos nossos desejos, o que pode levar a erros graves em nossas conclusões. O próprio Albert Einstein, grande cientista alemão, cometeu um erro desse tipo, algo que ele mesmo classificou como o maior erro de sua vida. Sua teoria da relatividade tinha como uma das suas previsões que o universo não poderia ser estático, mas Einstein sempre tinha defendido que o universo era estático (eterno e imutável). Para manter sua crença válida ele adicionou propositalmente uma constante em suas equações, a constante cosmológica. Uma modificação realizada sem base científica nenhuma a não ser pela própria preferência de como Einstein gostava de acreditar que a natureza seria. Mais tarde Hubble identificou que o universo estava se expandindo com base no afastamento das galáxias, mostrando pela observação que o universo estava se expandindo, o que deixava evidente que a constante cosmológica era um erro e que a teoria da relatividade sem a constante cosmológica estava correta. Muitos erros como esse acontecem, afinal, somos humanos e temos nosso sistema de crença incorporado a nossa biologia. Mas isso também deixa claro que o método científico, quando seguido rigorosamente, é um ótimo sistema de pensamento que nos conduz a conclusões verdadeiras. ![]() Gostaria de terminar esse texto citando mais duas frases do grande cosmólogo Carl Sagan, que possui vários livros de divulgação científica e é em minha opinião uma das pessoas que mais conseguem aproximar a ciência as situações do nosso dia a dia. "Nossas preferências não determinam o que é verdade" “Ausência de evidência não é evidência de ausência.” Carl Sagan Postado por Cleber Justino
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